O ano era 1993. Nesta época da adolescência a única coisa que eu sabia sobre mato é que era bacana e atrativo para mim, nunca tinha feito trilhas além de alguns passeios leves com meu pai e primos mais velhos, mas ansiava por mais aventuras.
Meus únicos equipamentos eram duas facas, um facão, um canivete e meu cantil, adquirido alguns anos antes quando percebi que ter uma garrafa de água ao lado da cama era melhor solução para a sede noturna do que andar até a cozinha.
Minha única habilidade era afiação básica, aprendida através de puro raciocínio lógico e tentativa e erro.
Um dia durante o intervalo da aula ouvi perto de mim a conversa entre garotos da turma e duas palavras me chamaram atenção: Sábado e cachoeira. Eles estavam combinando uma saída no final de semana e eu já me candidatei para ir junto. A turma mal se conhecia, era a primeira ou segunda semana de aulas, mas isto não impediu o programa de acontecer. O ponto de encontro seria em um ponto de ônibus perto da escola, e assim chegando ao destino no bairro do Jardim Botânico, onde um dos garotos morava. Era ele quem conhecia a trilha e nos levaria.
Eu mal consegui aguentar de ansiedade até chegar sábado e antes da hora marcada eu estava lá. Aos poucos o resto do pessoal foi chegando e pegamos nosso ônibus. No caminho fomos conversando e imaginando como seria a trilha, a queda da água, etc.
Eu fui observando bem cada detalhe, marcando visualmente o caminho para aprender a voltar sem ter que depender de ninguém, e depois deste dia eu descobri que tinha esta habilidade.
Conheci ali as cachoeiras que seriam meus cenários de aventuras por vários anos, em muitos fins de semana. Embora fossem pequenas quedas e poços no curso de um riacho na minha cabeça parecia a enorme cachoeira de onde o personagem do Arnold cai no filme Predador.
Quando estávamos todos descansando em volta do último poço, dei o último gole de água no meu cantil, e tive a idéia de enchê-lo com água da própria queda. O amigo que nos chamou para a trilha, do qual não me lembro do nome, se ofereceu para encher já que estava na água e eu estava seco.
Eu aceitei e lá foi ele, voltando em pouco tempo, pois a tarefa era bem fácil. Depois fechou a tampa e ao invés de vir até a pedra onde eu estava jogou o cantil, mas com menos força do que seria necessário e lá foi meu cantil para o fundo.
Pulamos todos na água e por mais de meia hora procuramos sem sucesso pelo cantil. Ele pediu mil desculpas e disse que me daria outro. Aceitei, mas fiquei bastante chateado pois aquele cantil estava comigo há algum tempo, já era de estimação.
Fomos todos para casa, e eu tentei não pensar mais na perda do cantil.
Na semana seguinte eu queria voltar lá, desta vez seria a “minha” cachoeira, sem ninguém fazendo barulho. Este pensamento nortearia minha vida no mato, e daria início a anos de trilhas solo dando preferência por locais mais vazios e escondidos e fugindo dos lugares mais comuns.
Por isso, ao chegar ao poço da semana anterior, o maior daquela série, encontrei uma família fazendo piquenique e fiquei meio chateado. Resolvi procurar outro ponto da trilha onde pudesse ficar sozinho.
Fui voltando pela trilha que beirava o riacho e parei perto de uma queda e um poço bem menor, e após curtir um banho de cachoeira e admirar em silêncio a floresta à minha volta, fui seguindo com os olhos o trajeto perfeitamente desenhado do riacho, desde o topo da queda até onde ele sumia de vista, e para minha surpresa junto a uma pedra na beira da próxima descida eu reconheci um formato ligeiramente familiar. Fui até lá e ri sozinho por uns 5 minutos, pois o meu cantil estava ali me esperando, passados 7 dias e depois de ter descido pelo rio aproximadamente 60 metros.
Continuo achando que foi muita sorte ter encontrado, bastava eu ter ficado no lugar da outra semana ou passado sem olhar muito para nunca mais encontrar o cantil. Existem mistérios na vida que são tão interessantes quanto um roteiro de cinema.
Passados 22 anos ele ainda vai para todas as trilhas comigo, e acumulou algumas boas histórias. Mostra várias marcas da idade, mas segue firme e forte e não corre mais risco de ser arremessado e perdido.
E você, tem alguma história com um equipamento?
Te vejo na trilha!
Velho, que história sensacional! Eu sinto a mesma atração pelo mato e sou aficionado por bushcraft e survivalismo, mesmo sem nunca ter acampado. Tenho uma boa coleção de facas e pretendo começar a fazer trilhas em breve.
ResponderExcluirSam, é como dizem, a vida real tem histórias muito mais interessantes que a ficção.
ExcluirVocê já tem a vontade e disposição, que são as coisas essenciais para fazer trilhas, o resto vai adquirindo aos poucos.
Abraço!