segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

David Thompson, o homem que mapeou o Canadá

David Thompson tomando leituras. Fonte: Library and Archives Canada.

Explorador, cartógrafo, agrimensor, vendedor de peles, juiz de paz, homem de negócios. Tudo isto fez parte da vida deste homem, nascido em um bairro pobre de Londres em 1770. Sua família era muito humilde, e apenas dois anos após seu nascimento seu pai faleceu, deixando David, sua mãe e seu irmão mais novo em péssima situação financeira.

O começo de tudo

Aos sete anos, David foi admitido no Grey Coat Hospital, uma escola de caridade fundada para promover educação para crianças pobres de Westminster, e tudo indica que após sua internação tenha mantido pouco contato com a família. Após os anos de formação básica ele foi para a escola matemática Grey Coat, onde recebeu treinamento rudimentar em navegação.

Em 1784 foi admitido como aprendiz na Hudson Bay Company, empresa em escala industrial no comércio de peles, que praticamente alavancou sozinha a colonização do Canadá. Ele passaria os proximos sete anos nesta função.

O primeiro ano foi passado no forte Churchill, o posto mais ao norte da empresa, na costa oeste da Baía Hudson. Neste período, seu instinto de aventura se acentuou ao copiar partes de manuscritos de viajantes da época. No outono de 1785 o comitê londrino da empresa designou David para a
fabrica York, e ele fez a viagem de 150 milhas para o sul a pé, acompanhado de dois nativos, vivendo do que a terra oferecia.

Em York, apesar das ordens de Londres de que David deveria ficar afastado dos homens comuns, responsável pelos livros contábeis e pelo armazém, sabe-se que ele passou ao menos parte do inverno em acampamentos de caça, junto dos empregados. Esta foi uma experiência prática que ofereceu uma pausa bem vinda nas atividades burocráticas.

Thompson foi mandado para o interior em 1786, onde ele ajudou a estabelecer uma filial no rio Saskatchewan. No verão seguinte ele aperfeiçoou seus conhecimentos da linguagem Cree, uma habilidade essencial para um negociador de peles na região.

David ficou os dois anos seguintes na região, e passou o inverno de 1787 em companhia dos índios Peigan, no sopé das Montanhas Rochosas, e aprendeu seu idioma. No outono de 1788 um acidente de trenó causou uma severa fratura na perna direita, que proporcionou um repouso forçado na casa de Cumberland. No verão de 1789 ele ainda não havia se recuperado totalmente, andando com ajuda de muletas, o que impediria David de fazer longas viagens.

A grande mudança

Este foi um momento crucial em sua vida.

No início de outubro, logo após as canoas terem partido rio acima, juntaram-se a Malchom Ross, o mestre em Cumberland, e Thompson Philip Turnor e sua equipe de levantamento e cartografia, que havia sido mandada para o território de Athabasca.

Thompson estudou matemática, cartografia e astronomia com Philip durante o inverno de 1789-90. Na primavera Thompson ainda não havia se recuperado plenamente da fratura, e para piorar sua situação, havia perdido a visão do olho direito. Como consequência ele não foi escalado para a expedição a Athabasca, ao contrário de seus colegas de estudo. Ao invés disto foi enviado à fábrica York para finalizar seus estudos. Esta escolha geraria mágoas no orgulho juvenil de Thompson que o acompanhariam por toda a vida.

A seu crédito, Thompson estava determinado a não permitir que seu treinamento por Turnor fosse desperdiçado. Seu interesse por levantamento topográfico e astronomia havia sido aguçado.

Em 30 de agosto de 1790, logo após sua chegada à Baía Hudson, ele escreveu ao secretário da companhia em Londres, se oferecendo para fazer levantamentos ao longo da costa e requisitando um sextante, óculos e almanaques náuticos ao invés das roupas geralmente presenteadas aos aprendizes quando de sua formação completa.

Ao longo do ano seguinte, quando não estava ocupado de suas tarefas oficiais, Thompson trabalhou cuidadosamente nas observações que havia feito durante sua viagem da casa de Cumberland
 à fábrica de York e as submeteu a Londres, juntamente com um pedido de ser enviado nas futuras expedições de levantamento.

Asa cartas de Thompson foram bem recebidas. Ao completar seu aprendizado recebeu oficialmente a proposta padrão de primeiro contrato de três anos como escritor recebendo 15 libras anuais, e em uma série de cartas pessoais ele foi encourajado a prosseguir com seu interesse por cartografia. Além disso, seu pedido de instrumentos de navegação foi atendido, portanto ele tinha toda a razão para acreditar que algum dia seria reconhecido como cartógrafo pela empresa e talvez substituir Turnor nesta função.

Não seria uma esperança vã. No outono de 1792 ele foi instruído a continuar o trabalho de Turnor em Athabasca com um levantamento das vias aquáticas da região de Muskrat entre os rios Nelson e Churchill. Este levantamento visava recolher informação sobre as comunicações na área, uma nova arena de competição entre a Hudson Bay Company e a Nort West Company, bem como sobre os rios cruzando a região, que se acreditava proporcionarem uma rota mais direta ao lago Athabasca por meio do lago Reindeer.

Este seria seu primeiro trabalho como cartógrafo, ainda que extra oficial, mas uma série de contratempos fez com que o mapeamento completo da região fosse sempre adiado.

O reconhecimento

Na primavera de 1795, Thompson partiu para outra expedição, agora com muito mais prestígio pois havia sido promovido a cartógrafo, com o polpudo salário de 60 libras anuais. A tão esperada rota mostrou-se um fiasco, não comportando as expedições com pesadas canoas cargueiras. Não obstante, suas habilidades foram mais do que comprovadas, iniciando uma trajetória de sucesso.

Em maio de 1797 Thompson deixa a Hudson Bay Company em circunstâncias controversas. Certamente não foi por motivação financeira, pois no ano anterior havia sido promovido a mestre da região norte, substituindo Ross no gerenciamento de todo o comércio de peles, o que lhe ofereceria excelente salário e possibilidades ainda maiores de crescimento futuro.

O fato é que Thompson daria início a 15 anos de bons serviços prestados à North West Company, e no mesmo ano a questão indefinida da fronteira entre Canadá e Estados Unidos na região a oeste do lago Woods motivou uma missão especial: o levantamento para oeste, ao longo do paralelo 49, e o mapeamento de todos os postos da companhia.

Ele trabalhou em um ritmo incrível, completando em 10 meses um levantamento exploratório dos lagos e rios do lago Superior ao lago Winnipeg, e além até o vale do rio Swan, e dali ao sul ao longo dos rios Assiniboine e Souris, além da região do rio Missouri e da cabeceira do Rio Mississipi, e da região do lago Superior. Sua conclusão de que a foz do Missisipi teria origem no lago Turtle só estava poucas milhas fora de posição, e suas observações formavam de longe a mais precisa informação sobre a cabeceira do rio até aquela data.

A quantidade de trabalho produzido por Thompson no período de um ano era prodigioso, e só foi possível porque ele havia sido liberado de qualquer outra tarefa e contava com todo o apoio logístico de que precisasse, em contraste marcante à sua experiência com a Hudson Bay Company.

Os métodos que empregava eram os que havia aprendido na outra empresa, e suas observações ainda eram feitas com os instrumentos recebidos por ela. Os mapas mais tarde compilados eram baseados em séries de pontos fixos, geralmente postos de comércio, localizados por meio de observações astronômicas de latitude e longitude. Seus cálculos geralmente eram bastante precisos, dados seus equipamentos e métodos, e são um tributo ao seu cuidado e diligência em fazer múltiplas observações sempre que possível.

As direções de viagem eram estabelecidas por meio de bússolas, e as distâncias estimadas pelo tempo. Estas observações, especialmente estimativas de distância, eram bastante inconsistentes. Sua cegueira parcial certamente afetava sua percepção visual de distância.

Em 1798 Thompson viajou através do departamento do Rio English até o lago Red Deers, para estabelecer um posto de comércio e passar o inverno. Durante as outras estações explorou rotas alternativas na região, e no ano seguinte casou-se com a filha de um companheiro de empresa, de apenas 13 anos. Este casamento duraria sua vida inteira, e estariam sempre juntos e felizes, em contraste com o padrão de casamentos do campo naquela época.

Nos anos seguintes o ritmo das viagens de Thompson seria reduzido consideravelmente. Ele combinou as tarefas de comerciante no forte George, na Rocky Mountain House e no rio Peace com várias viagens exploratórias curtas que o levaram às Montanhas Rochosas em 1800 e 1801.

A última de três expedições tinha por objetivo fazer contato com a tribo Kootenay e estabelecer o comércio direto, e esperava-se poder encontrar uma rota econômica para o Pacífico. Thompson viajou pelos rios Saskatchewan e Ram acima, mas devido a um volume excepcionalmente alto neste último, foi obrigado a retornar.

Em 1804 ele se tornaria sócio na North West Company, e os dois anos seguintes foram passados gerenciando o comércio na região de Muskrat. Ainda assim ele conseguiu tempo de expandir os levantamentos feitos na região uma década antes.

Sua carreira como cartógrafo e agrimensor poderia estar chegando ao fim, com uma licença forçada programada para 1808, de tão insatisfeito que esteve no período entre 1804 e 1805, por não poder se dedicar a seus interesses de levantamento e cartografia, mas uma mudança nos planos da empresa o levou a retomar as explorações pelas quais é lembrado.

Após a reunião anual de 1806, Thompson parte rumo às Rochosas para trabalhar nas observações feitas após o fracasso na expedição do rio Ram, na qual ele considera como evitar o fracasso de expedições subsequentes.

A empresa estava preocupada com as possíveis implicações do sucesso da expedição americana ao Pacífico de Lewis e Clark, e estava ansiosa para determinar se o rio Columbia poderia ser utilizado como um acesso a seus territórios de comércio. Thompson viajou para a área norte do rio Saskatchewan com nove homens, além de sua esposa e 3 filhos, e após passar o inverno na casa Rocky Mountain ele cruzou as montanhas através da passagem que seria batizada com o nome do comerciante da Hudson Bay, Joseph House.

O grupo desceu o rio Blaeberry até um outro rio que Thompson batizou de Kootana, sem saber que havia atingido o Columbia. Pelos próximos 3 anos ele expandiria seu comércio e levantamentos através do território dos índios Kootenay e ao sul até o território Flathead.

Thompson precedeu com sucesso a expansão de comerciantes de pele americanos para a região, mas ao fazê-lo minou seriamente a posição dos índios Peigan de intermediários no comércio através das montanhas, o que gerou tensões que eclodiriam em 1810.

Thompson partiria pra Montreal em 1810 para sua adiada licença, mas mudanças de plano da empresa o fizeram retornar a Columbia para lidar com a situação na região, e supervisionar a aliança com a Pacific Fur Company. Sua viagem foi consideravelmente atrasada devido às tensões na região, o que levou inclusive à deserção de alguns de seus homens. Thompson se viu forçado a testar outra forma de passar pelas Rochosas.

Após uma difícil passagem pela inexplorada Athabasca em dezembro e janeiro, Thompson aguardou a chegada da primavera em uma cabana rudemente construída às margens do Columbia com os 3 homens restantes da expedição. Ele e os homens construíram uma canoa com tábuas de cedro e rumaram para o sul até a casa Saleesh. De lá, via canoa e a cavalo, rumaram para a casa Spokane, e de lá para o norte, até as quedas Kettle, no Columbia. Lá ele construiu outra canoa para a última perna de sua viagem até o oceano.

Partindo em 3 de julho, ele desceu o rio parando para tratar com os indígenas a cada vilarejo, e para tomar posse de uma nova região, estabelecendo outro posto na boca do rio Snake. Em 15 de julho de 1811 ele chegou de bandeira hasteada ao forte Astoria, da Pacific Fur Company.

A 22 de julho Thompson novamente partiu Columbia acima, acompanhado de um grupo da Pacific liderado por David Stuart. Os dois grupos se separaram em Dalles e Thompson foi depressa para a boca do rio Snake, onde entrou e subiu até o rio Palouse, onde conseguiu cavalos para viajar por terra até a casa Spokane.

Deste ponto ele retornou a Columbia nas quedas Kettle e seguiu rio acima de volta ao rio Canoe, completando assim o levantamento iniciado em 1807, do rio desde sua foz até o oceano.

O fim de uma carreira

Thompson cruzou as montanhas para buscar suprimentos no posto de William Henry no rio Athabasca e então retornou para passar o inverno de 1811-12 na casa Saleesh. Na primavera refez seus passos e cruzou as Rochosas pela última vez, a caminho de Montreal e seu afastamento da participação ativa no comércio de peles.

A generosidade da empresa em relação à aposentadoria de Thompson demonstram o alto apreço pelo trabalho que havia completado. Ele recebeu um pagamento anual de 100 libras mais uma cota de participação nos lucros por um período de 3 anos, período em que ele deveria complicar suas observações e preparar mapas para a companhia. Após este período, ele seria oficialmente aposentado e teria garantido o período usual de sete anos recebendo um centésimo dos lucros da empresa.

Ao chegar a Montreal, suas primeiras preocupações foram batizar sua esposa e e 4 de seus 5 filhos, e regularizar seu casamento. Ao longo dos próximos 25 anos ele enfrentaria a dura tarefa de fornecer estudos para todos os filhos.

Em 1814 ele completou um grande mapa do noroeste canadense do lago Superior ao Pacífico, que foi enviado à North West Company e pendurado por muitos anos no enorme hall do forte William.

Mapa original desenhado por Thompson. Fonte: Library and Archives Canada. 
 Nos anos que se seguiram, Thompson adquiriu uma fazenda, e recebeu alguns trabalhos de levantamento e cartografia da comissão de fronteira, que ainda estava estabelecendo os limites entre o Canadá e os Estados Unidos, mas quando estes foram finalmente definidos em 1822 algumas de suas medições foram consideradas contra os interesses canadenses por algumas pessoas, e isto abalou seu crédito em grande parte.

Seus últimos dias

A velhice não trouxe muita sorte a Thompson. Seus serviços foram sendo cada vez menos requisitados, sua relação com os filhos se deteriorou, suas tentativas de abrir negócios arrasaram suas economias, suas fazendas se mostraram improdutivas e ele teve que reduzir de padrão diversas vezes, chegando a residir em um pequeno apartamento com sua filha e genro aos 70 anos. Thompson arrumou diversos empregos menores, de juiz de paz a clérigo, mas nenhum deles conseguiu sustentar sua família por muito tempo.

Em 1850 Thompson escreve um relato de suas viagens pela América do Norte. Este trabalho dos últimos anos é sob vários aspectos a maior realização de sua vida, mas ele nunca teve a satisfação de vê-lo pronto e publicado. Ainda em 1848 seu olho restante começava a perder a visão, e em 1851 ele estava totalmente cego e o manuscrito ficou inacabado.

Sua morte em 1857 passou despercebida fora de seu pequeno círculo familiar, e sua verdadeira estatura como um dos maiores exploradores e geógrafos do Canadá foi completamente ignorada até que Joseph Burr Tyrrell começasse sua campanha em 1880 para dar-lhe o devido crédito.

Foi apenas quando Tyrrell obteve o manuscrito em 1890 e o editou para publicação pela Champlain Society em 1914, que a Narrativa de David Thompson, cobrindo sua carreira até a aposentadoria se tornou públ1ica.

A Narrativa, algo falha por ter sido escrita tanto tempo após os fatos, continua um enorme trabalho de autobiografia e fonte inestimável para historiadores. Em 1927, aniversário de 70 anos da morte de Thompson, cerimônias especiais aconteceram em Montreal para inaugurar um monumento em sua cova anteriormente não marcada, e David Thompson uma das figuras históricas mais conhecidas e adoradas do Canadá.

Selo postal canadense, homenageando David Thompson.

Bibliografia

Este texto foi baseado em pesquisa feita no site da universidade de Toronto.

Espero que tenham gostado de mais uma história real de personagem do tempo das grandes explorações e aventuras.

Te vejo na trilha!

4 comentários:

  1. Gostei cumpadi! Conhecer a história de homens como Thompson é muito empolgante. Naqueles tempos a vida era dura e mesmo que Thompson não tenha tido um final glorioso, sua existência e seu trabalho o foi. Parabéns pelo seu trabalho de pesquisa.
    Abraço. Túlio

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é cumpadi Túlio, o exemplo de um homem como esse é inspirador para nós que gostamos de mato e das coisas mais simples de antigamente.

      Abraço!

      Excluir
  2. Esse texto ficou excelente André! A vida dele realmente foi dura em um tempo duro, numa região hostil! O trabalho realizado por ele foi de grande valor para o Canadá! Esse relato que ele começou a escrever e não terminou devia conter informações muito detalhadas sobre o ambiente daquela época! Parabéns! Abração!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu Luciano, eu tinha que compartilhar, pois é uma história digna de filme e quase ninguém aqui conhece!

      Abraço!

      Excluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...