terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Um longbow tupiniquim


Os amigos de longa data sabem que sempre tive fascínio por arcos, esta ferramenta criada aproximadamente 10.000 anos atrás e presente em todos os períodos da história humana desde então, na caça, na guerra, e em tempos mais recentes também no esporte. Redundante dizer que arcos estão intimamente ligados aos conhecimentos de bushcraft de nossos antepassados.

O início

Na infância tive um daqueles plásticos, com elásticos e que atiravam uma flecha com ventosa na ponta.

Vendo maravilhado enciclopédias com figuras de castelos e batalhas medievais, eu ficava sonhando com histórias de Robin Hood.

Até a adolescência não teria nenhum arco de verdade. Por volta dos 14 anos comprei um arco indígena de performance pobre mas que serviu para descobrir que realmente gostava da prática milenar. Fabricava flechas de bambu sem muito critério, mas que serviam ao propósito de furar barrancos e voar sem rumo no pasto quando visitava fazendas em Minas gerais.

Este arco eventualmente quebrou e foi só aos 22 anos que eu teria outro. Novamente um indígena, mas muito mais bem feito. As flechas ainda eram o ponto fraco do conjunto, mas novamente, se prestavam para as brincadeiras de atirar em troncos no mato simulando condições de caça,  prática que lá fora se chama rooving.

Último arco indígena que tive. Um gigante desajeitado.
 Este também quebrou, pois na minha leiguice forcei o pobre arco além de seus limites.

O Hobby evolui

No ano de 2004 eu compraria meu primeiro arco industrializado, um composto nacional. Neste momento eu já pesquisava bastante sobre o assunto, o que me ajudou a evitar erros potencialmente danosos ao equipamento e entender as particularidades do esporte. As flechas passaram a ser também comerciais e a brincadeira ficou mais séria. O medo de perdê-las atrapalhou a prática.

Com o equipamento mais sofisticado veio o medo de estragar flechas.
Mas foi aí que de uns tempos para cá comecei a sentir falta de alguma coisa. A prática havia se tornado cada vez mais rara e desanimada. Algo havia se perdido, a essência  que despertou meu interesse anos atrás.

Não demorou para eu perceber que toda aquela modernidade havia me afastado da simplicidade empolgante da arqueiria. Roldanas, miras, e uma infinidade de traquitanas atualmente vendidas como essenciais na verdade para mim representavam uma complexidade frustrante. Nossa sociedade moderna se baseia no consumo extremado, com a propaganda tentando vender a idéia de que o produto do ano passado já não é mais o melhor para você. Arcos cada vez menos parecidos com seus ancestrais são lançados a cada nova temporada, com acessórios que parecem projetados pela Nasa.

Eu estava voltando minha atenção para os equipamentos e técnicas mais tradicionais, do estudo de bushcraft até a área de cutelaria, não fazia sentido na arqueiria fazer o contrário.

A mudança

Estava decidido. Eu iria migrar para os arcos tradicionais, com sua beleza e elegância quase aristocrática que evocavam grandes aventuras do passado.

Devorei os volumes 1 e 2 da excelente publicação The Traditional Bowyer's Bible para entender o mais possível sobre arcos tradicionais, suas características, limitações e potenciais, bem como de seus acessórios.

Comecei a fazer contato com o amigo e bowyer Willian Maia, que imediatamente aceitou o desafio de construir um arco para mim. As exigências eram poucas, mas não deixavam de representar um desafio: Teria que ser tradicional, com madeiras brasileiras e com uma potência na casa das 55 libras.

Criador e criatura juntos.
Em cerca de 20 dias o que era só uma idéia virou um arco novo na minha casa. Lindo, combinando as excelentes propriedades de resistência a compressão do ipê com a resistência a distensão do bambu. Isto o torna muito rápido, com uma leveza quase inacreditável e uma beleza única.

Belíssima combinação de madeiras.
O punho do arco foi executado com tiras de ipê, pau brasil e peroba, em uma combinação muito bonita. Os nocks foram reforçados com osso, dando resistência extra a abrasão pelas modernas cordas feitas de dacron.

Nock de osso bovino reforça o visual tradicional.
O toque final ficaria por conta do rest, ou apoio de flecha, onde eu usei um pedacinho de couro de veado whitetail presenteado por outro amigo com este propósito alguns anos atrás.

Pedacinho de couro legítimo de Whitetail, caçado com arco primitivo.



Formatos definidos, é hora de colar.
Rest colado. Mais tradicional impossível.
 Minha primeira impressão foi a melhor possível, nunca havia tido um arco tão bonito, e a leveza dele nem se compara ao peso do meu composto. Aliás, o peso dele é quase igual ao da minha bowie, então dá para ter uma idéia. Este arco pouco deve aos fabricados por artesãos estrangeiros, que custam algumas centenas de dólares.

Assinatura do artesão e as características do arco. Detalhe das diferentes cores das madeiras.

Na hora de dar os primeiros tiros a diferença entre moderno e tradicional ficou bastante evidente. Embora o arco seja muito leve, a puxada de 55 libras não é tarefa das mais fáceis.

Com um arco composto, suas polias excêntricas atuam reduzindo progressivamente a força necessária na puxada, ou seja, quanto mais perto do fim da puxada, mais leve fica. Um arco tradicional não tem ajuda, então é exatamente o oposto. Quanto mais se puxa mais pesado vai ficando.

Conclusão

Vou ter que me esforçar para me adaptar, mas vai valer a pena. A sensação de disparar um arco destes é quase mágica, a alegria da prática voltou com força total. Além disso, a velocidade da flecha deve ter ficado bem próxima da obtida com o composto, pois a penetração no alvo de espuma de EVA foi similar.

Agradeço novamento ao meu amigo Maia pelo excelente arco. Ele está começando seu próprio blog onde abordará temas relativos a construção de arcos e outros assuntos relacionados. Você pode conferir neste link.

Estréia do arco ao lado de seu criador.
Quanto às flechas, o espírito tradicionalista acompanha este item vital da arqueiria. Faço questão de fabricar as minhas próprias mas agora com capricho e métodos corretos e para isto já estão encomendados alguns componentes e um gabarito para a colagem das penas, mas este relato ficará para um outro post.

Podem esperar, pois este arco aparecerá em vários posts futuros, passeando comigo pelas matas.

Te vejo na trilha!

8 comentários:

  1. Sempre tive interesse em arcos antigos, minha curiosidade me levou há muito tempo em um site chamado toxophilos. Lá ensinavam passo a passo em como confeccionar um arco.
    Vendo o seu post, me lembrei logo do site e pra minha tristeza, está fora do ar. Felizmente num fórum de arquearia, salvaram todo o conteúdo do site e disponibilizaram para download.
    Sei que parece estranho postar um link de download aqu nos comentários, mas tenho certeza que você irá se interessar.
    www.mediafire.com/?cat3jrsmnx6pkuj
    Abrindo o arquivo "index.html" você terá acesso ao site exatamente como ele foi um dia.

    Um grande abraço.

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    1. Eu me lembro deste site, ele surgiu tem coisa de uns 10 anos.

      Aqui no Brasil só agora estamos começando a formar uma comunidade consistente de interessados em arqueria, quando eu comprei aquele arco indígena da foto eu já pesquisava sobre construção mas havia somente um site no Brasil falando a respeito, e o autor acabou virando meu amigo e do Maia também. Hoje em dia este site também não está mais online.

      Somente uma vez cheguei a tentar construir meu próprio arco, mas não deu certo e me rendi à falta de espaço. Morar em apartamento é frustrante às vezes.

      Se você domina o inglês recomendo fortemente a leitura do livro que eu cito no post, o Bowyer's Bible.

      Um abraço!

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  2. Sou um apaixonado desde criança tambem por arcos e por balestras, depois conta mais sobre o belissimo arco ..
    grande abraço
    Helio Mendonça

    ps. tambem gosto de fusca mas a paixão mesmo é puma.

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    Respostas
    1. Pode deixar Helio, ele vai aparecer bastante por aqui ainda...

      Abraço.

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  3. Sim, estou na Web, cumpadi. Li seu comentário no meu blog "Caminhando no Mato" e agradeço. Gostei demais também do teu blog. E parabéns pelo teu belo arco by Maia Bows. Inté....na trilha!

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  4. Quando adolescente brinquei muito com arcos. Tenho um modelo bacana, que hoje decora uma parede da casa do meu pai.

    Foi num período que tinha um bom quintal, onde atirava com armas de pressão, arco, e me divertia um bocado.

    Morando em apartamento e longe de áreas apropriadas, a dificuldade de tais práticas me entristece um bocado!

    Excelente texto!

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    Respostas
    1. Gasparello, área apropriada pode ser qualquer mato em que você vá, claro que atrapalha aquela prática diária de manutenção dos fundamentos, mas não impede que se mantenha o hobbie.

      Abraço!

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